terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A INSTRUÇÃO MODALIZADA PELO DISCURSO DA PROPAGANDA

Vera Lúcia Andrade Bahiense PAVANELLO (Universidade da Região de Joinville/UNIVILLE e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUCSP)

ABSTRACT: This work deals with isntruction discourse that appears in the advertisement discourse. It’s assumed that the advertisement discourse is guided by someone that assumes patterns of behavior in social and commercial situations, although this relations are almost near. These results are parcials and they are part of a Phd research.

KEYWORDS: Instruction; discourse; instructional discourse; social interaction; discurso advertisement discours.


0. Introdução
Neste momento, abordaremos o gênero “outdoor” como unidade de análise. Estes foram produzidos a partir da temática “dia dos namorados”, na cidade de Joinville/SC.
Para a fundamentação teórica da pesquisa, adotam-se princípios do interacionismo simbólico, além da noção bakhtiniana de gênero discursivo.
Tem-se por pressuposto que o discurso instrucional é uma prática social definida por ações específicas que têm por propósito controlar comportamentos e ações em um determinado contexto sócio-histórico-cultural. A investigação realizada teve por ponto de partida o texto enquanto expressão verbal do discurso.

1. Perspectiva Teórica
Ao longo da história, o discurso instrucional vem se caracterizando como um modelo semiótico socialmente construído com a finalidade de organizar padrões de conduta e padronizar seqüências de ações.
Segundo Silvestri (1995:11), “la tradición del conocimento relativo a los oficios, a las laborales artesanales, al uso de instrumentos, se transmitó durante siglos del padre al hijo y del maestro al aprendiz. Actualmente, en los paises industrializados, la complejidad de los processos de produción y consumo impide un vinculo directo entre el usuario y el creador de la tecnologia, entre el aprendiz y el experto en un procedimiento. Este vinculo se estabelece hoy en día, de forma típica, con la mediación del discurso instrucional.”
Na tradição das profissões e atividades artesanais, a instrução para os “fazeres” se passava de pai para filho. Sabemos que o conhecimento na sociedade Pré-Moderna e ainda na Moderna (Beaugrande, 2001:8-9) era segmentado e particularizado. Assim, os “saberes” estavam distribuídos em grupos distintos que repassavam aos seus descendentes os princípios e as instruções.

In a pre-modern society, (the term ‘traditional’ seems overloaded here), the four factors are determined in both theory and practice by stable criteria like birth, rank, and class. The grouping of insiders and outsiders, and the distribution of power, are firmly established by an official right-wing ideology, e.g., by the divine authority of kings or priests. The economy is centred on manual labour in small groups, such as a craft in a village. The environment is regarded as an extended home to be respected and preserved. Technology is marginal and serves directly essential needs, as in tools for harvesting and weapons for hunting. Families have the size the environment can support, and their ties are strong and durable, e.g., in caring for the sick and the aged. Alienation and social disorders are rare, and their agents get reintegrated.

In a modern society, the four factors are determined by less stable criteria like education, initiative, and enterprise. The grouping of insiders and outsiders, and the distribution of power, are subject to change as the official ideology oscillates between right-wing and left-wing versions of ‘democracy’. The economy organises manual labour into large enterprises, and creates multiple layers of management to oversee them. In response, labour organises itself into unions which may soften the social divide between the ‘working class’ and the ‘middle class’, and create patterns of inclusive consumption of lower-priced commodities, such as ‘compact cars’. (...)

Na sociedade pós-moderna o controle está nas mãos de poderosos grupos multinacionais. O poder é econômico e financeiro e as sociedades são globalizadas por tais interesses. Os “outsiders” são cada vez mais numerosos e a padronização do consumo é cada vez maior.

In a post-modern society, the four factors are in continual flux. The grouping of insiders and outsiders, and the distribution of power, can undergo sudden and radical changes, whilst the official theory of democracy veers official to the right as whole governments come under the power of huge multinational corporations. Social diversity arises from multiculturalism and multilingualism, and novel ‘life styles’ come and go like fashions in clothes. In theory, all the distinct cultures enjoy equality in human rights, but in practice must fiercely compete for increasingly scarce resources in environments depleted by the preceding modern society. Divisions are broken down by technology, both in society by popularising exotic consumption patterns, and in labour by merging corporations, industries, product types, markets, and whole national economies (cf. § xxx). (...).

Nos países industrializados a complexidade dos processos de produção e consumo impede um vínculo direto entre o usuário e o criador da tecnologia, entre o aprendiz e o especialista em certo procedimento. Este vínculo, diz Silvestre, se estabelece a partir da mediação do discurso instrucional (1995:11).
Silvestri afirma que a forma de designar este tipo de discurso como instrucional não é unânime. A opção pelo adjetivo instrucional se baseia na função desta classe de textos; supõe uma função de aprendizagem e a existência de um emissor instrutor e de um receptor instruído por ele.
Realmente, era comum no tempo de nossos bisavós e avós a explicação direta e oral de como as coisas funcionavam no mundo, mesmo porque a tecnologia era bem simples. Como exemplo, temos a medicina que era, de certa forma, do domínio de grande parte da população. Qualquer pessoa sabia uma extensa lista de “remédios” caseiros para os mais diversos tipos de enfermidade, era chá disso, emplastro daquilo e aí por diante. Com o desenvolvimento da ciência biológica e farmacêutica, principalmente após a descoberta da penicilina, esses “saberes” foram se perdendo e hoje só contamos com as instruções das bulas de remédio. Os processos de produção e consumo foram sendo configurados de maneira diferente. A instrução é contínua no sentido de reconfigurar o que seja necessidade e o que seja básico e quase sempre tudo é necessário, pois nossa sociedade globalizada é baseada no consumismo e para que haja consumo é preciso que haja necessidade. É um círculo vicioso.
O que se nota, ainda, é que a complexidade das trocas, a partir da revolução técnico-científica torna indispensável o fornecimento de instruções, pois há muito se ultrapassou o limite de interação entre o conhecimento que é produzido e a tecnologia que se cria a partir deste. É praticamente impossível para as pessoas dominarem a tecnologia dos mais diversos segmentos científicos. Exemplo disso são as indústrias da informática, das telecomunicações e da automobilística.
A complexidade tecnológica, os custos da ciência, aliados a uma necessidade imperiosa de os países produtores de tecnologia formarem novos públicos consumidores é grande e não é novidade. Basta que recuperemos o contexto sócio-econômico da revolução industrial e a necessidade de ampliação criação de novos mercados consumidores (Pavanello: 2000). É exatamente isso que Beaugrande afirma quando caracteriza a sociedade pós-moderna.
A formação e ampliação de mercados consumidores cria uma nova necessidade: a divulgação de produtos e marcas. Assim, nasce mais uma rica indústria: a da propaganda. Esta indústria não tem chaminé, não tem maçaricos, não tem operários: é baseada totalmente em idéias. É ela quem cria os textos que formalizam o discurso de seus anunciantes. Estes produzem textos que instruem como tomar um remédio, como lavar um certo tipo de tecido em um certo tipo de máquina; a propaganda dá as instruções de quem você deve ser nesse mundo globalizado, como deve se comportar para pertencer a uma ou outra “tribo”. Este tipo de instrução não é explícita como um manual de utilização de um vídeo cassete, é implícita e mostra uma perspectiva que pode simplesmente estar reafirmando o seu mundo, mas que geralmente lhe mostra um novo mundo, onde os comportamentos, as ações e as recompensas são outros, onde você sai do lugar comum e se torna alguém especial, ou deixa de ser alguém diferente e “excluído” e passa a ser alguém como os outros de determinado grupo, passa a ser alguém.
Muitas perspectivas são criadas pra compreender o discurso e a ação comunicativa humana. Algumas se restringem a fatores lingüísticos, outras se propõem a integrar o modelo textual com o componente extralingüístico contextual e situacional, relacionando as diversas formas discursivas com as atividades mentais que se efetivam por seu intermédio. Aqui está o centro de nossa pesquisa sobre o discurso instrucional.
Segundo Bakhtin (1992), a trama da consciência humana se constrói a partir de signos. Fora da corporização em alguma matéria semiótica, a consciência é uma ficção: não pré-existe aos signos. Tanto a linguagem quanto a consciência são um produto social.
A partir da perspectiva bakhtiniana, a linguagem é uma prática social que se integra com outras práticas sociais não verbais. A linguagem utiliza ambientes e funções diversas e cada área particular da atividade humana corresponde a uma área particular de uso da língua.
Silvestri (1995:13) afirma que os enunciados que se integram em uma determinada atividade apresentam, em situações análogas, características comuns em sua forma e seu estilo, em seus procedimentos e sua concepção de destinatário. Todos eles comportam um tipo de enunciado relativamente estável: os gêneros discursivos.
Segundo a autora, os gêneros são múltiplos e heterogêneos, mas sua estabilidade formal introduz regularidade nas situações de comunicação (é o caso do gênero outdoor). No entanto, a noção de gênero não é só pertinente para a atividade comunicativa, os enunciados, com sua forma genérica, podem ser concebidos como veículos que organizam a ação mental. Constituem-se como verdadeiras ferramentas semióticas que desempenham diversas funções psíquicas em uma perspectiva sócio-cultural concreta (Wertsch, 1991).
A formação do discurso da propaganda apresenta sempre a venda de algo, seja um produto, uma idéia ou um conceito. Segundo Iser (1996:55), durante o processo de leitura a expectativa e a memória se projetam uma sobre a outra, num processo de protensão e retenção. Tal projeção é dirigida pelos signos que “projetam” no leitor. A expectativa é baseada no tipo de texto que se tem à frente, no caso dos outdoors os fatores circunstanciais como a época do ano ou datas comemorativas, por exemplo, são extremamente importantes. Em cada sujeito a expectativa e a memória serão constituídas e sintetizadas de maneiras diferentes e o produtor do texto conta com isso. A representação se dará na interação sígnica texto-leitor. Os signos que compõem o texto são meticulosamente escolhidos para “conduzir” a expectativa de leitura. Como não é possível prever todas as interações possíveis entre texto e leitor, o sucesso da ação é medido de diferentes formas que pode ser o aumento das vendas de algum produto ou marca, por exemplo. Raramente o produtor tem contato com informações pontuais sobre o processo de interação, mas ele sabe que são várias as possibilidades.
Tomemos como exemplo o outdoor “Faça seu namoro decolar”. Criada para atrair os compradores em potencial para as lojas do Shopping Muller, em Joinville-SC, no período que antecedeu o dia dos Namorados de 2001, a campanha faz o que se espera dela, promete vantagens a quem comprar nas lojas do Shopping. É como se dissesse: Compre no shopping que dá um empurrãozinho no seu namoro. Ocorre que, na semana em que o outdoor foi afixado, na saída de um restaurante, fui abordada por um menino que vendia adesivos e enquanto esperava o dinheiro, disse: “se Deus me ajudar, vou para Vitória”. Eu olhei para o outdoor bem ao meu lado e não entendi, pois o texto era dirigido a namorados e o menino devia ter uns dez anos. Perguntei a ele: “e você tem namorada para levar?”, no que ele respondeu: “eu levo qualquer mina, mas eu quero andar de avião, dormir num hotel e jantar a luz de velas”.
Esta foi uma reação que a agência de propaganda e o shopping provavelmente não esperavam ou não contavam, mas que foi possível. Por que?
O dia dos Namorados é comemorado em muitos países em diferentes datas, estabelecidas, na maior parte das vezes por interesses comerciais. Muito bem, participar desta data, de certa maneira, faz das pessoas “insiders” (Beaugrande, 2001:12) e essa inserção faz parte de um processo de mobilização comercial gigantesco reforçado por uma conjunção de significações.
A partir da perspectiva bakhtiniana, Furlanetto (2000) afirma que um efeito de sentido só é possível se pensarmos na enunciação completa e concreta, formando uma unidade temática. Esse tema é individual e não reiterável (é um acontecimento), e se apresenta como tal por estar inserido numa situação histórica concreta que originou a enunciação (incluindo elementos não-verbais). Assim, buscar um tema exige observar um sistema de signos dinâmico e complexo adequando-se às condições de um momento e de sua evolução.
A situação de enunciação do outdoor “Faça seu namoro decolar” foi ampliada no momento em que aquele menino de rua, um “outsider” projetou um movimento de ascensão social a partir de signos que a representam: avião, hotel e jantar a luz de velas. A namorada podia ser qualquer “mina”, pois o que estava em jogo não eram os benefícios de um encontro amoroso, mas o que esta situação podia lhe proporcionar socialmente. Outro aspecto importante do “querer” deste menino era o fato de que normalmente ele não é um freqüentador do Shopping Muller, mas a promoção o fazia sentir que o podia ser como qualquer outro, pois o cupom para concorrer a viagem era dado a cada R$ 10,00 em compra. Nesse momento, existe o sistema dá a este menino a falsa impressão de que ele é um “insider”.
Juntamente com o outdoor “Faça seu namoro decolar”, outros outdoors foram exibidos durante a primeira quinzena do mês de junho de 2001. Todos abordavam a temática do Dia dos Namorados a partir do signo “presente”. Algumas empresas anunciavam produtos, outras usavam o poder de suas marcas e outras como os shoppings reforçavam o institucional.
Defendo que a venda de produtos ou marcas utilizando o discurso da propaganda, aqui formalizado pelo gênero outdoor, configura-se como uma instrução que modaliza comportamentos, ações e que reforça a dicotomia inclusão e exclusão social. Namorar faz parte da vida das pessoas normais, então cumpra o seu papel: mostre ao seu namorado que o ama, presenteie. A instrução é clara. Mas, não para por aí. O presente do seu namorado tem de ser algo especial e ser especial é usar a roupa ou o sapato tal. A instrução, então, superada a fase inicial, se amplia e estabelece padrões sociais. A campanha publicitária da Hering para esta data contava com três outdoors com duas moças e um rapaz vestidos com roupas Hering e com o seguinte texto: Dia dos Namorados é Básico. A instrução é: para você ser um “insider” é básico que use Hering. Não se vende simplesmente a roupa, mas estabelecem-se padrões de inserção na sociedade.
Um outro outdoor, do Motel 2001, veiculado em várias cidades de Santa Catarina onde o Motel tem filiais, mostra os bicos dos seios de uma mulher circundados por chantilly e contém o seguinte texto: “Junho. Mês dos Namorados. O Chantilly é grátis. A cereja é por sua conta.” O namoro é resignificado e o presente deixa de ser uma roupa ou um sapato, é a própria mulher. E para você ser um “insider”, tem de ir a um motel. As necessidades vão se criando, cada vez mais a instrução configura-se como consumo. Este deixa de ser uma opção para ser uma necessidade.
Os resultados apresentados são ainda parciais, faz-se necessário ampliar a noção de instrução, além de caracterizar os papéis dos sujeitos participantes do discurso instrucional e caracterizar os textos que o formalizam.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAZILLI, Chirley (Org). Interacionismo simbólico e a teoria dos papéis. São Paulo: Educ, 1998.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BEAUGRANDE, Robert Alain de. A new introduction to the study of text and discurse. Preprint: Belo Horizonte, 2001. (Texto gentilmente cedido pelo Prof. Beaugrande no curso Fundações da Ciência do Texto e do Discurso, VI CBLA, UFMG, Belo Horizonte-MG, out/2001).
FURLANETTO, Maria Marta. Semântica, estereótipo e memória discursiva online. Biblioteca On-Line de Ciência da Comunicação, 2000. Avaiable from Internet: www.bocc.ubi.pt.
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Vol. 1 e 2. São Paulo : Editora 34, 1996/1999.
PAVANELLO, Leonel. Países que se tornaram independentes no século XX. Joinville : Stadler, 2000.
PAVANELLO, Vera. O ensino de língua portuguesa no curso de educação física da Univille: uma abordagem instrumental. Dissertação de Mestrado, PUC/SP, 1995.
SILVESTRI, Adriana. O discurso instrucional. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 1995.

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